sexta-feira, 22 de maio de 2015

Felizmente há luar!


A obraA peça em dois atos Felizmente Há Luar!, de Sttau Monteiro, publicada em 1961 e com a qual ganhou o Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de Escritores, foi suprimida pela censura da ditadura; representada pela primeira vez em 1969, em Paris, só chegaria aos palcos portugueses em 1978, no Teatro Nacional, encenada pelo próprio autor.
Esta peça de estreia de Sttau Monteiro tem como cenário o ambiente político dos inícios do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada pelo general Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir...
No entanto, esta peça marca também posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, como denúncia da opressão que se vivia na época em que foi escrita (1961), sob a ditadura de Salazar. O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX em que decorre a ação permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque as injustiças do seu tempo.
Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, dentro dos princípios do teatro épico, que descreve a "trágica apoteose" do movimento liberal oitocentista, em Portugal, e interpreta as condições da sociedade portuguesa do início do século XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas, contra o poder absolutista e tirânico dos governadores e do generalíssimo Beresford.
A figura central é o general Gomes Freire de Andrade «que está sempre presente embora nunca apareça» (didascália inicial) e que, mesmo ausente, condiciona a estrutura interna da peça e o comportamento de todas as outras personagens. A ação desenvolve-se à volta desta personagem e da sua execução: da prisão à fogueira, com descrições da perseguição dos governadores do Reino, da revolta desesperada e impotente da sua esposa e da resignação do povo que a "miséria, o medo e a ignorância" dominam.
Gomes Freire, amado por uns e odiado pelos que temem perder o poder, é acusado de chefe da revolta, de estrangeirado e grão-mestre da Maçonaria, por ser um soldado brilhante e idolatrado pelo povo. Os governantes - Miguel Forjaz, Beresford e Principal Sousa - perseguem, prendem e mandam executar o General e os restantes conspiradores através da morte na fogueira. Para eles, aquela execução, à noite, constituía uma forma de avisar, de dissuadir outros revoltosos; para Matilde de Melo, a mulher do General, e para mais pessoas era uma luz a seguir na luta pela liberdade. O general Gomes Freire e mais onze companheiros, acusados de conspirar contra Beresford e o Conselho de Regência no poder, tornaram-se, pela sua morte trágica, nos grandes precursores do liberalismo português e permitiram denunciar a situação do povo que vivia na miséria e dependente das classes dominantes.
Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a história serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa, durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que anos mais tarde contribuiriam para a "Revolução dos Cravos", a 25 de abril de 1974. A agitação e a conspiração de 1817, em vez de desaparecerem com medo dos opressores, permitiram o triunfo do liberalismo em 1834, após uma guerra civil. Também as revoltas e oposição ao regime nos anos 60, de que foi exemplo a candidatura do General Humberto Delgado (em 1958), o assalto ao "Santa Maria" e a Revolta de Beja (1961), em vez de serem uma cedência perante a ameaça e a mordaça, fortaleceram a resistência que levou à implantação da democracia.

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